A pianista
A um olhar já há tanto conhecido e investigado, mais que querido. À minha Orquídea.
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A pianista tocava, esquecendo que marcava o tempo para os alunos, tocava no seu ritmo, tocava para ela. Era o que se pode chamar de bonita, cabelos escuros, olhos também escuros, pequena, seus óculos chamavam atenção, demonstravam sua personalidade, forte, quase incontrolável. Tinha aquele olhar distraído, doce, capaz de sorrir antes mesmo de seus lábios. Encantada, possuidora do mistério, que prende, aguça a curiosidade.
Tocava absorta, esquecida do mundo. Suas mãos incrivelmente ágeis brincavam, quase independentes dos seus pensamentos. Esses, distantes, perdidos. Relembrava detalhes, momentos, se questionava sobre aquela noite. Por que? Seu coração parecia querer sair de seu corpo cada vez que se lembrava. Não tinham feito nada, por que se perturbava tanto? Será que realmente traíra em pensamentos, em vontades? Sim, ela havia falado. Entregara-se assumindo, quis beijá-la durante toda a noite. Quis possuí-la. E ela era sua. Isso a incriminava.
Tudo tão real, ela esteve tão desprendida, onde tinha ido parar a outra pessoa? Aquela que fora traída, esquecida por toda a noite, e também pela semana. Isso a matava, ela não a amaria mais então? Teria ela se encantado por outra? Não era possível, logo ela, que jurou amor eterno, que sofreu por esse amor, agora se pegava pensando em outra. Mas tinha sido tão intenso, tão espontâneo, pensava ela, tentando amenizar sua culpa, pois sabia que não havia motivo, elas acabaram, nada a prendia mais. Mas sua consciência dizia-lhe que alguma coisa ainda deveria prendê-las, afinal tinham vivido tantas coisas até então! Sabia que mentia para si mesma, tudo havia acabado há tanto tempo que nem mesmo ela lembrava de como era se sentir bem, feliz ao lado de outra pessoa. Até aquela noite.
Havia se esquecido que tocava, a esta altura os alunos e a outra professora já estavam distraídos, se dissipando, pois a aula chegara ao fim. Voltou assustada do seu sonho, pelo menos havia tocado direito, não errara, apenas continuara tocando quando todos pararam e como era o fim, ninguém prestou atenção.
Mas algo a perturbava, a outra professora apontou a porta, alguém a assistia, discretamente de lá. Olhava fixamente para o piano, tentando controlar a vontade louca de se virar, sabia quem era, sua intuição não iria se enganar agora e por isso seu coração se descompassava. Ela se surpreendeu com a própria reação.
Levantou-se e dirigindo-se a porta não continha o sorriso nem o coração. Sem hesitar abraçou-a, perdida, achada, louca, segura. Como quisera aquele abraço! A outra, confusa, entregue, retribuía o abraço, eram capazes de sentir uma o coração da outra. O tempo parou. Aquela menina estava encantada, não sonhou menos que a pianista enquanto a ouvia tocar, mas mesmo sabendo que não, preferia achar que sonhava sozinha. Mas não depois daquele abraço, tinha certeza que a outra também sonhava e deixava seu lado racional de lado, se entregando àquele abraço.
Ainda embaladas pelo piano, saíram, as duas meninas de mãos dadas. Com aquela felicidade nos olhos, mas escondendo do mundo e delas mesmas os perigos desse sentimento. Saíram, esquecendo por mais um instante da culpa que carregavam, da marca que haviam deixado nelas mesmas, do que poderiam e iriam enfrentar. Saíram, como se existissem apenas elas duas, até o telefone tocar.
Marcadores: escrito por Violeta, vida privada
3 Comentários:
Perfeito!
Creio que me vi um pouco nessa história... incrível como vc conseguiu transmitir os sentimentos, as sensações, essa angústia gostosa...
Grande abraço!
Amo esse texto... arrepiei quando li, meu coração disparou.
Parece que estavas dentro da minha cabeça, sabendo exatamente o que acontecia comigo. Se eu soubesse que era tão óbvio, quem sabe eu teria percebido antes... =)
Te gosto muito. =*
Lindo o texto! Transmitiu um amor simples e verdadeiro... emocionante. Beijos!
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